A verdade, nada mais do que a verdade

Notas sobre o Teorema de Godel (exposição informal)

Vamos construir uma máquina de calcular que escreve expressões compostas pelos seguintes símbolos neg P N ( ).

Por expressão entenda-se uma lista não vazia composta por estes cinco símbolos. Uma expressão X é "printável"1 se a máquina a conseguir escrever ("printar"). Admitimos que a máquina está programada de a modo a escrever expressões que pode imprimir, i.e., gasta todo o seu tempo a imprimir expressões.

Chama-se norma de uma expressão X à expressão composta X(X); por exemplo, a norma de P neg é P neg (P neg). Uma frase válida tem uma das seguintes formas:

  1. P(X)
  2. P N(X)
  3. neg P(X)
  4. neg P N(X)

Se associarmos, informalmente, a três dos símbolos anteriores um significado podemos ler uma qualquer frase válida. Assim associamos os seguintes significados a P, N e neg:

Com esta interpretação podemos dizer que P(X) é uma frase verdadeira se, e só se, X é printável1; do mesmo modo PN(X) é verdadeira se, e só se, a norma de X poder ser escrita, neg P (X) é verdadeira sse2 X não poder ser escrita e neg P N(X) é verdadeira se a norma de X não poder ser escrita. Assim as definições anteriores permitem-nos falar em português, e com rigor, sobre o que afirmam cada uma das frases escritas pela máquina e o que significa uma expressão verdadeira. Estas são de facto, auto-afirmações, efectuadas pela máquina, são frases que nos dizem algo sobre a máquina que as escreve. A máquina durante o seu funcionamento descreve o seu próprio funcionamento, semelhante a um organismo consciente.

Assim concluímos que a máquina está bem definida, i.e., funciona bem, e que todas as frases que por ela são escritas são expressões verdadeiras. Por exemplo, se a máquina escrever P(X), isto significa que X pode ser realmente escrito (X será escrito mais tarde ou mais cedo); da mesma forma se num instante posterior a máquina escrever P N(X) então X(X) também aparecerá mais tarde. Admitamos agora que X pode ser escrito pela máquina, será que podemos concluir que P(X) também o será? Se X pode ser escrito pela máquina então a frase P(X) é verdadeira, mas não sabemos, de facto, se P(X) pode ser escrito pela máquina, ou seja, se P(P(X)) é verdadeira.

Será possível a máquina escrever todas as afirmações verdadeira que falam sobre ela?

A resposta a esta pergunta é, um surpreendentemente, não! Para podermos verificar isso temos que encontrar uma frase que seja verdadeira, i.e., que afirme algo verdadeiro sobre a máquina, e que a máquina não consiga escrever. Basta construir uma frase, uma expressão, que afirme a sua não "printabilidade".

Uma candidata seria: Esta frase "esta frase não pode ser escrita" não pode ser escrita. Ou seja neg P N (neg P N), que afirma que a norma de neg P N não pode ser escrita. Por definição de expressão verdadeira, a frase anterior é verdadeira se a norma de neg P N não pode ser escrita, mas a norma de neg P N é exactamente a frase neg P N (neg P N)!

Algumas frases apressadas

Ref: Smullyan, R M (2001) "Gödel's Incompleteness Theorems" in Goble, Lou, ed., The Blackwell Guide to Philosophical Logic. Blackwell

1. Vou usar "printável" para dizer o mesmo que "pode ser escrita".

2. sse = se, e só se

Palavras chave/keywords: Godel, teorema, notas, Smullyan

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Última actualização/Last updated: 10-10-2022 [14:26]


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